PENSÕES E LADRÕES.
António Correia de Campos - TERRA E LUA - "O Público" de 16.09.2013.
A tença
O ataque selectivo às pensões
dos funcionários e agentes
da administração do Estado
e das autarquias, a cargo da
Caixa Geral de Aposentações
(CGA), constitui um acto de
torpeza moral, de agressão
ideológica e de errado alcance
económico e financeiro. A
sanha obsessiva com que o
Governo se projecta sobre os pensionistas
actuais e futuros lembra o fanatismo
ideológico de uma suposta “guerra santa”.
É uma torpeza moral quebrar um
contrato entre o Estado e quem passou a
vida a vencer menos que os seus parceiros
do privado, a não ter prémios, nem
envelopes, nem luvas, nem especiais
condições de acesso ao crédito, e que
organizou a sua vida com integral respeito
pelas leis, sem manipular a sua pensão,
nem “comprar” anos de contribuição
ficcionando um início de actividade aos
15 anos. O contrato foi generoso? Tinha
excepções que geravam desigualdade?
Permitia reformas antecipadas
desnecessariamente? Custava caro à
Fazenda? Tudo isso é verdade e pode
e deve ser corrigido. Há já mais de dez
anos que Manuela Ferreira Leite impôs
uma taxa de substituição (relação entre
a pensão e o último salário líquido de
descontos e impostos) inferior a 90%. Em
2005, José Sócrates anulou a maior parte
das excepções e revogou quase todas
as antecipações de reforma, o que lhe
valeu perder as autárquicas nesse ano;
apertou até ao limite os critérios das juntas
médicas na aposentação por doença ou
invalidez, impediu a acumulação, ainda
que parcial, de pensões com ordenados,
dificultou pesadamente as subvenções
pelo desempenho de cargos políticos.
Entretanto, para reduzir conjunturalmente
o défice orçamental, os fundos de reforma
dos CTT passaram para a CGA, bem
como a correspondente responsabilidade
pensionária, o que foi depois seguido com
a PT e com as pensões dos bancários, já no
consulado de Gaspar, transferindo para o
Estado a responsabilidade dessas pensões
e seus complementos, adquiridos por esses
reformados ao longo da sua vida activa, em
regra bastante superiores aos da função
pública. Amalgamadas na CGA, pensões
convencionais a pagar pelo Orçamento do
Estado, pensões de autarquias e institutos
públicos já com alguma contribuição
patronal e pensões de responsabilidade
transferida, supostamente fundeadas, foi
desfeita a lógica da CGA.
A agressão ideológica veio a seguir: na
linguagem e na obsessão financista do
Governo, o corte das pensões públicas
é imperioso, por a CGA não ter capitais
suficientes (como se fosse uma caixa ou
fundo), sem cuidar de comparar e discutir
as prioridades do gasto público. O volume
de responsabilidades, assim artificialmente
ampliado, serve de óptimo argumento
perante a troika e a opinião pública mais
complacente. A
irresponsabilidade
dos gestores de
swaps e as vigarices
do BPN podem ser
cobertas com o
manto diáfano do
modelo capitalista
intocável. Os cortes
nas pensões, em
anestesia global
pela suposta
universalidade,
uma precária e
sempre discutível
modulação por
montante e
uma campanha
para dividir
trabalhadores por
conta de outrem
de funcionários,
esses são fatais e
eternos. De nada
serve argumentar
com projecto de
vida, planeamento
a longo prazo,
gestão de risco
indispensável
à geração de
confiança. Ainda menos vale o argumento
moral da pré-pobreza de inquilinos com
subidas inesperadas de alugueres, do
apoio que avós pensionistas prestam a
filhos desempregados e a netos sem futuro
à vista.
Obcecados pelo défice, impotentes por
canhestros na negociação com credores,
os nossos governantes, de cerviz inclinada,
apenas olham para o chão que pisam.
Esquecem a redução drástica do consumo
interno, o desemprego que ele arrasta, a
persistente quebra do crescimento que
continua a fazer subir o spread da dívida
soberana, ao contrário de outros países
sob intervenção ou que dela estiveram
próximos.
Os pensionistas, sem voz e sem outro
poder que o voto, tudo aceitam: os
Obcecados
pelo défice,
impotentes por
canhestros na
negociação
com credores,
os nossos
governantes,
de cerviz
inclinada,
apenas olham
para o chão que
pisam
cortes ditos transitórios, a contribuição
extraordinária de solidariedade, a sobretaxa
e a taxa adicional de solidariedade. Tal
como vão aceitar o corte que aí vem.
Apenas gostariam que lhes dissessem de
uma vez por todas quantos mais cortes
virão a sofrer. E que lhes garantissem que
o corte é para todos, que o vizinho do lado
não fica a rir-se dele, que as dezassete
dentre as vinte empresas nacionais mais
cotadas em bolsa passam a pagar imposto
de rendimento aqui e não em Haia. E
já agora, que o IVA da restauração e
quejandos vai finalmente regressar aos 13%.
E que não nos rapem tudo, deixem a nossa
tença em paz.
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DO AUTOR DO BLOGUE, PARA MEMÓRIA FUTURA:
Presidente da República: ANÍBAL CAVACO SILVA
Chefe do Governo: Pedro Passos Coelho, PPD/PSD
Vice-1º Ministro: Paulo Portas, CDS/PP
Helder Rosalino, secretário de estado da administração pública, não é abrangido pelo corte nas pensões, tal como outros, porque tem garantida a sua reforma intocável pelo lugar que detém no Banco de Portugale ao qual regressará após sair do governo.
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